Em Cuiabá o Romantismo iniciou por volta de 1860 quando aqui veio residir o oficial da marinha Antônio Cláudio Soído. Foi o introdutor do Romantismo em nosso Estado. Ele conseguiu despertar a literatura e os literatos para a nova corrente que surgia. Ele sofreu influência de Vitor Hugo e Byron, deles traduzindo obras de grande valor.
Com a vinda de Soído aparece uma literatura mais pura e mais digna. É bem verdade que no começo as obras eram ainda simples, pequenas, mas já impregnadas de caracteres..românticos.
A..POESIA
E foi com poesia que o Romantismo aqui chegou. Eram poemas simples, pequenos, compostos sem muitas preocupações, às vezes oferecidos às damas. Elogiavam a natureza e a fartura existente. Não são tão tristes como os de produção nacional. Os poetas não tinham tanta sede de morte como os verdadeiros românticos. São repletos de graça e simplicidade. Às vezes apresentam um tom humorístico, ou satirizantes, porém não tão ofensivos. No poema abaixo observaremos um tom bem humorístico:
MELINDRES
Antônio C.Soído
Tantos dotes, e a força da cachaça
A todos destruía juntamente!
Porque a beleza já tirava a graça,
Nulificava a do metal luzente,
Empanava-lhe o gênio e a ilustre raça,
E tornava o ingês um descontente,
Tanto pode, ó cachaça, e força tua...
Mas em Byron também andava a lua...
É um poema extremamente simples, porém notamos uma preocupação Byroniana. Aí ele fala sobre os males da cachaça, portanto não é um poema ofensivo.
As damas também eram lembradas, vejam por exemplo, o que fez Soído ao receber folhas secas de uma senhora:
FOLHAS SECAS*
Antônio C.Soído
Folhas de rosa flor,
Qu?importa que sem verdor
A morte simboliseis,
Se mesmo assim me dizeis:
Que ela se lembra de mim?!...
Secas como estais servis,
Pois a lembrança exprimis,
E mais cheia de saudade
Do que verdes a beldade
Realçando de uma flor.
Ele retribuiu à senhora com um poemeto simples, porém cheio de graça.
PRINCIPAIS..POETAS:
1.Antônio Cláudio Soído - nasceu no Espírito Santo em 1822 e faleceu em Cuiabá em 1889. Foi almirante e chefe de esquadra. Desempenhou importantes trabalhos em Mato Grosso. Foi inspetor do arsenal da marinha. Viajou pela Europa como professor da Escola Naval. Escritor e Poeta. Introdutor do Romantismo em Mato Grosso. Não escreveu muito, porém seus trabalhos são muito significativos. Obras: "Diário do Rio de Janeiro", " O Pirata(traduzido de Lord Byron), "Lembranças de Montevideo", "A menina Oriental"(Poema), "O Batel"(Poema), "Para os pobres"( tradução de Vitor Hugo), "A visita de S.M.aos hospitais do empestados"(Poema), "O corsário" ( tradução de Lord Byron)
A MENINA ORIENTAL |
A menina oriental |
Antônio Augusto Ramiro de Carvalho -Nasceu em Cuiabá em 1833 e aqui faleceu em 1981. Funcionário da tesouraria da fazenda, sendo promovido até atingir o posto de inspetor. Deputado da província. Jornalista e poeta humorístico. Fundou alguns jornais humorísticas: "Pega onça", "Dunda". Redator de "A situação" e com o surgimento da República funda "O Quinze de Novembro". Não foi bom poeta. Deixou-nos pouca coisa, como o poema a seguir:
DOIS DE DEZEMBRO
Muita nédia cavalgada
Correndo desembestada
Por meio da multidão;
Muitos rufos de tambores,
De sino muitos rumores,
muitos tiros de canhão.
Muita farda agaloada,
Bonita - mas estragada
Nos usos da procissão
e outros muitos quejandas
Rechonchudas burundanças
No barulho da função.
Tudo houve com fartura
Na solene formatura
Deste dia nacional;
que excitou-me até saudade
Da gorda variedade
Dos dias de carnaval.
Amâncio Pulchério de França - Nasceu em Cuiabá em 1846. Foi comerciante, advogado e poeta. Redator do jornal "O 1o.de Março". Colaborou em diversos jornais locais sob o pseudônimo de Palmiro. No Rio colaborou na revista "A luz". O produziu muito pouco. Imitou pessimamente Casimiro de Abriu. Só se conhece um poema deste autor, o que segue abaixo:
OUTRORA E HOJE
Meu Deus, que gelo, que frieza aquela,
que indiferença nos olhares seus!
Vejo outra nuvem no horizonte de hoje,
Negra coberta nos azuis dos céus!
Tivera flores, meu jardim de outrora,
Tivera rosas de perfume eterno,
Mas hoje as flores em aroma, secas,
Parecem flores de jardim de inverno.
A primavera de meus dias, linda,
Sorria leda para o céu de anil,
E o céu faceiro desdobrando os mantos,
Já teve as galas das manhãs de abril.
Hoje os cantos que tivera outrora
São tristes cr?oas de cruéis martírios
Fora ditoso, já gozara crente
vivo perfume dos meus alvos lírios!
Sonhara encantos, deleitosos dias,
Mato castelo de europel sonhado;
Feliz eu fora - mas o manto espesso
Cobriu a tela desse meu passado.
Antônio Gonçalves de Carvalho -Nasceu no Rio de Janeiro em 1844 e faleceu no Rio. Advogado formado em São Paulo, ratificando-se em Cuiabá onde se tornou juiz. Foi deputado em 1881. É mais conhecido como o poeta da "Flor da Neve" por ter escrito um poema do mesmo nome. Obras: " Cartas ao Sr. William" - reunidas mais tarde em "A estrada de ferro para Mato Grosso e Bolívia". Colaborou em vários jornais.
FLOR DE NEVE
Se a neve fosse planta e flor tivesse,
Tu serias da neve a flor, gerada
Da fria viração ao tênue sopro
À luz da luta, aos beijos duma fada.
Se a neve fosse planta e flor tivesse
Tu serias da neve a flor mais bela
Que brilhando na etérea imensidade
fanal de Amor - adamantina estrela.
Se a neve fosse planta e flor tivesse,
Tu serias da neve a flor tão pura!
Ah! Teriam em ti achado os homens
O símbolo da mais cândida ventura!
Se a neve fosse planta e flor tivesse,
Tu serias da neve a flor bandida...
Causarias ciúmes aos próprios lírios
Que dos jardins do céu a brisa agita.
Antônio Telentino de Almeida - Nasceu em Rosário Oeste em 1876 e faleceu em Santo Antônio do Leverger em 1936. Advogado, poeta e jornalista. Entre os poetas deve ser considerado o maior romântico de Mato Grosso. Apreciado por Monteiro Lobato. Foi o responsável por uma completa mudança de concepções de estilo. Foi o último dos românticos, já apresentando em suas obras, características parnasianas. Publicou bons sonetos como "Cor Lapidis". Entre suas obras podemos citar : "Ilusões Doiradas", "A Índia Rosa", "A retirada da Laguna", "Romeiros do Ideal", "Mil vezes Salve".
A RETIRADA DA LAGUNA
Vem de São Paulo, de Goiás e Minas,
Por densas matas, chapadões, colinas,
Ínclitos moços de sorrir taful;
Os rios erguem e caudal bramante,
De pronto a cortam, prosseguindo avante,
Vão para a guerra que ensanguentam o sul.
Dois anos já de travessia ousada!
Muitos findaram na cruel jornada
Até Miranda que alarmada está;
Daqui por diante são o horror, a guerra,
As privações por inimiga terra...
Quantas angústias os esperam lá!...
Tivemos outros poetas como José Thomaz de Almeida Serra, Pedro Trouye e outros.
PROSA ROMÂNTICA
Se a poesia encontrou terreno fértil em nosso rincão, o mesmo não aconteceu com a prosa. Houve muitos escritores, porém se enveredaram nos ramos da história, geografia, oratória, letras científicas e jurídicas, estudos linguísticos, folclore, etc. Ou deixaram de lado a literatura ou esqueceram-na.
Entre os escritores da época podemos citar os nomes de Augusto João Manuel Leverger, Caetano Manuel de Faria Albuquerque, Antônio Correa da Costa, Manuel Espiridião da Costa, Cândido Mariano da Silva Rondon, Estevão de Mendonça, Firmo José Rodrigues e muitos outros.
AUTORES COMTEPORÂNEOS
AFONSO HENRIQUE RODRIGUES ALVES
Foto do autor:
POEMAS INÉDITOS
Biografia
Nasceu em Rondonópolis, MT (1985). Estuda Ciências Sociais na UFMT, mas se considera ainda um amador em leituras filosóficas e poéticas.
Tento, soluço
um parto difícil
Estancar um rio de sangue
Tranças de cabelos escorrem
Salientes de uma mediação vinda do olhar
A pessoa que canta o cipó se envolve na algaravia
Paratática numa quebra que vem e se repete
Pequenos arbustos pretos-cinza
a segurarem o fio – cacho.
Perdi dentro de mim
fio-labirinto-estese
e hoje me sinto-corte;
saudades de só ter linhas e caminhos
pilares da ponte do gozo
a volta da odara no quarto ruidoso
sinto o uno
os pés de sátiro voltam a mexer
e ritmar na cama
Ágora... Há um momento em que perpasso As sombras, os sonhos e as formas do indefinido O vulgo de um olhar, étimo Teus cabelos num instante desnudam-se O que seria? O que seria dito pelo vento dos meus sopros? O que dos zéfiros das previsões? Apenas o tempo poderá responder o que o riacho-oráculo previu pelo átimo Despedimo-nos desapercebidos, consolados por toques de tons que acalmam a ponte.
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Conhecimento tem sonoridade de diafragma enche os pulmões e deixa respirar o ar puro fluído da vida-indigência numa panóplia libelada de qualquer criação, ilação capaz de passar pelo momento celérico longe do fluxo das armadilhas cotidianas Fausto de minhas vitórias, instante de fazer turibular minha aura em tudo que passa por meu envolto querer.
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Olhos se comportam como fontes
modelam o querer
viril ponto-cego – idêntica entrada onde o que é – é
assalto que se torna entre pântanos - sugam, fundo, arredios
Leves ventos feitos pela mão nos cabelos da nuca,
Ressabiados no altar,
Repousam como beija-flor
Ilusão rápida de vários pensamentos
êxtase turvo de vinho
saída rápida do eu
ANTÔNIO SODRÉ
(biografia)
Descobri o livro do poeta numa feira de cultura em Campo Grande, em minha última viagem à bela capital de Mato Grosso do Sul. Os amigos e admiradores do poeta me animaram a publicar uma página em sua homenagem. Comprei o livro, li, gostei. Ele é de Mato Grosso e está vivendo em Campo Grande.
Antonio Miranda, dez. 2006
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“O livro Empório Literário reflete uma fase madura do poeta que milita na literatura mato-grossense há mais de 20 anos. Na década de 80, entre o bar Candeias e o bar do Léo, sendo influenciado pela efervescência cultural do ambiente universitário, Antônio Sodré começa a produzir as suas primeiras poesias. Em 1984 com a sua poética caótica e heterogênea, o poeta da transmutação, como se autodenomina, publica o seu primeiro livro, uma brochura, com 13 poemas, contando com a ilustração do artista plástico Adir Sodré, seu irmão. Além da poesia, a música e as artes plásticas também transitam no seu processo criativo. Como músico, já foi integrante do grupo BandoGira, participou do evento Mecânica da Palavra. |
Sua história com o Caximir começa em 1984, naquele momento então chamava Caximir Bouquet, em homenagem ao desodorante da época.”
manifesto
faça-se o poema, de qualquer forma:
aberto,
fechado,
rasgado,
solto,
louco,
livre, rimado, trovado,
travado,
com letras miúdas, grandes, grávidas!
faça-se o poema:
marron, vermelho, branco, negro, roxo, verde,
escarlate ...
cor-de-chocolate,
com batom ou sem batom:
faça-se o poema!
faça-se o poema: é uma ordem da vida!
essa ordem que não tem compromisso
como o poema
que é feito sem compromisso,
pois ele já é em si um compromisso feito
como a vida, feito um poema ...
e o poema se faz
como se faz a dor
costurada, amordaçada, sangrando,
palpitando num delírio
que faz do poema
que faz da dor:
a força que move o mundo!
sonhostantostontossonhos
os sonhos sonhei-os todos
num sonhar desesperado
até me perder sonhando
imerso no meu passado
recordações ilusórias
quimeras imagens tolas
gravadas no inconsciente
"pra" no presente repô-las!
suscitou-me pesadelos
assanhando meus cabelos
oh! era melhor não vê-los
soaram em vão meus apelos!
mas tem sonhos tão gostosos
dá vontade de comê-los
suaves vôos de aves
caravanas de camelos
transportando em seus alforjes
doces, balas, caramelos!
flutuando ... flutuando ... flutuando
feito espuma colorida
que chego a pensar que a vida
é um sonho em movimento.
abismumano
um abismo me separa
dos meus próprios semelhantes ...
mas se tento chegar mais perto deles
sinto estar mais longe
do que estava antes!
é que entro cada vez mais
para dentro de mim mesmo
numa viagem, que se afasta da chegada,
pois vou pra lugar nenhum
numa lenta caminhada ...
... que me diminui
não sou, pois nunca fui...
... apenas me desfaço
como uma estátua que rui! ...
corparla porcorea
todo corpo é porco
todo porco é corpo
pouco porco
muito
porco
todo corpo é porco |
|
todo porco é corpo |
|
corparia |
porcórea |
porcaria |
corpórea |
porcoral mente
corporalmente
na cama
na lama ...
corpumano
porcumano
Extraídos de EMPÓRIO LITERÁRIO: VERSOS DIVERSOS. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2005. 143 p.
Autor: DOM AQUINO CORRÊA
Biografia
D. Aquino Correia (nome civil: Francisco A. C.), sacerdote, prelado, arcebispo de Cuiabá, poeta e orador sacro, nasceu em Cuiabá, MG, em 2 de abril de 1885, e faleceu em São Paulo, SP, em 22 de março de 1956. Eleito em 9 de dezembro de 1926 para a Cadeira n. 34, na sucessão de Lauro Müller, foi recebido em 30 de novembro de 1927, pelo acadêmico Ataulfo de Paiva.
Obras:
DEUS!
Quem fez, ó minha alma, estas verdes campinas,
Quem fez a bonina, quem fez estes céus?
Quem fez nestas vargens as lindas palmeiras,
Louçãs e altaneiras, quem foi, senão Deus?
Quem fez esses astros que brilham nos ares,
Quem fez dos luares os fúlgidos véus?
Quem fez essas aves gazis e canoras,
Quem fez as auroras, oh! quem, senão Deus?
Quem fez esse plácido olhar do inocente
Que fala, eloqüente, até mesmo aos incréus?
Quem fez o sorriso das mães carinhosas,
Melhor do que as rosas, quem foi, senão Deus?
Quem foi que te deu, com a fé e a esperança,
O amor, essa herança negada aos ateus?
Oh! quem contará outras dádivas santas,
Tão ricas e tantas, que houveste de Deus?
São mais, muito mais que as infindas estrelas,
Que orvalham, tão belas, o azul destes céus;
São mais do que as flores gentis desta terra,
Que, entanto, as encerra infinitas, meu Deus!
Quem, pois, ó minha alma, tem tantos direitos
Aos férvidos preitos dos cânticos teus?
A quem votarás dos teus santos amores
As místicas flores; a quem? só a Deus!
AS LAVRAS DO SUTIL
Antemanhã, quando no céu de leste,
Mal se esgarçava em luz a noite mansa,
Miguel Sutil de Sorocaba avança,
Rumo ao mistério do sertão agreste.
Estrada longa e atroz! Mas ele a investe,
Com redobrado heroísmo, e não se cansa.
Vão-lhe à frente dois índios, e a Esperança
Visões de ouro não há, que não lhe empreste.
E ei-los que chegam a estes sítios belos,
Onde o outro excede todos os castelos,
Do sonho audaz do bandeirante. Lá,
Ao longe, em praias verdes e desertas,
Faiscava o rio... Estavam descobertas
As minas imortais do Cuiabá.
“INDEPENDÊNCIA OU MORTE”
À “Brigada Branca” dos Colégios Salesianos
Foi sobre a tarde, quando o sol declina,
Hora divina das contemplações,
Hora do Gólgota, sublime hora,
Marcada outrora para as redenções.
Deus decretara redimir a terra,
Que o nome encerra da sagrada Cruz,
E a um jovem príncipe entregou a espada
Dessa cruzada de infinita luz.
O herói passava, em seu ginete airoso,
Ao sol radioso, que esmaltava os céus:
O ideal fremia-lhe na fronte inquieta,
Era a silhueta de um estranho deus!
Tinha a seus pés, por pedestal, o outeiro
Alvissareiro do Ipiranga em flor;
E a brisa e as árvores e a onda flava,
Tudo cantava de esperança e amor!
E quando ergueu aquele sabre de ouro,
E como estouro de vulcão fatal,
Rugiu nos céus: “Independência ou Morte”
Tinha no porte, um heroísmo ideal!
Responde ao grito, e, delirante, brada
A cavalgada, que nos fez nação;
E o luso tope, que algemava os braços,
Rola em pedaços no brasílio chão!
Entanto o grito: “Independência ou Morte!”
De sul a norte, num fulmíneo ecoar,
Livres bandeiras pelo azul desata,
Numa fragata lá transpõe o mar!
Desde o Itatiaia, que assoberba os ares,
Até Palmares, repercute a voz:
Ouvem-na os manes dos fatais guerreiros,
Dias, Negreiros e Poti feroz.
Sorri-lhe o espírito imortal de Anchieta,
Anjo e poeta, que o Senhor nos deu;
E, do além túmulo, como que suspira
A infausta lira do gentil Dirceu.
Brota de tudo, e se ouve um hino ardente,
Ardentemente, pelo azul cantar,
Um como hino de Natal que erra,
Do céu à terra, e da montanha ao mar!
E qual Andrômeda, sorrindo agora,
A voz canora do novel Perseu,
Tal surge a Pátria do Cruzeiro lindo,
Livre, sorrindo, para o azul do céu!
Sublime grito: “Independência ou Morte!”
Que o jugo forte do opressor destróis!
Da liberdade és o fatal dilema,
O eterno lema de um país de heróis!
Não és o grito da anarquia infame,
Que espuma e brame, contra Deus e o rei;
Tu és o cântico da liberdade,
Que não evade os muralhões da lei!
Tu és um raio dessa Cruz bendita,
Que além palpita, em nossos puros céus;
És o diadema de uma Pátria ingente,
Que, livre e crente, só se humilha a Deus!
1917
Autor: IVENS CUIABANO SCAFF
Biografia
1951 Ivens Cuiabano Scaff, médico e escritor, poeta autor de Mil mangueiras, entre outros.
Obras:
Mil mensagens
discreta e presente
integrada no céu da tarde
a grande mãe
mais tarde reforçará o brilho
frente às trevas
branca
apenas boia na claridade
como numa cadeira de balanço
relançando serenos raios ao sol poente
quieta
já um espetáculo
esperando pra entrar em cena.
por uns belos olhos
me esqueci
de tudo que tinha ou era
do que soubera
de todas as quimeras
no caminho do não pisar.
hoje vejo que tudo foi
como procurar num aquário
o peixe escondido
e não encontrar.
sonhar é bom,
estranho é acordar.
Me faz uma casa
ah! minha gentil arquiteta
me faz uma casa
e eu te convido a morar
uma casa aquática assim
com uma piscina imensa
formato?
claro que o do mar Egeu
me bola uma casa ventosa
pra tilintar campainhas chinesas
derrubando os vasos das mesas
— e você reclame ao arrumar -
uma casa bem gostosa
uma varanda pra prosa
toda a noite apos o jantar
use os teus materiais modernos
mas preserve o barulho da chuva no telhado
algum canto fresquinho e sombreado para eu poder cismar
um jardim com um jeito antigo
um portal com um ar amigo
convidando a se entrar
suíte pra mim é nome de música
quero então uma alcova
onde eu depondo a armadura
me arme de toda a candura
para poder te amar
vai! desenha a casa
vamos sonhar
pagando o resto da vida
as prestações do BNH.
Autor: JOCA REINERS TERRON
Biografia
Joca Reiners Terron (Cuiabá, 9 de fevereiro de 1968) é um poeta, prosador, artista gráfico e editor brasileiro.
Radicado em São Paulo desde 1995, Joca estudou Arquitetura na UFRJ e formou-se em Desenho Industrial na UNESP. Publicou os livros de poemas Eletroencefalodrama (1998) e Animal anônimo (2002) e os de prosa Não há nada lá (2001), Hotel Hell (2003), Curva de Rio Sujo (2004), e Sonho interrompido por guilhotina (2006). Foi editor da Ciência do Acidente.
Seus textos integram diversas antologias nacionais e estrangeiras, como Na virada do século - poesia de invenção do Brasil (2002), editada por Frederico Barbosa e Claudio Daniel, Rattapallax, editada nos EUA (2002), e Tsé=tsé, editada na Argentina (2000).
Obras:
HMN
Meu último dia útil
INTEIRO: Hmmm, não moverei
dedo, parte dúctil ou tátil
de mini partes quaiquer
encontráveis em mim, múltiplo
fazer nada labiríntico: Hmmmm
Ancas em ondas
bovinas de grama movida,
minha Minotaurina
UM MILHÃO DE BITS
Um milhão de bits
em um milionésimo
de segundo, amor
um súbito sussurrar
de sílabas suas
ecoa em mim mil
beats, batida comum
em corações binários
zero: um: zero: um
um breve bater de
pálpebras e sentidos
explodem modulados
por modems emol
durados, amor, em
fibras óticas, num
átimo e vibras, pênsil
por sobre o éter, num transe high definition
PRIMEIRO MOVIMENTO
Abrandou-me; cobriu.me co’a anca;
disse dorme; o olho na névoa;
abençou-me; corpo(s em) trégua;
cum pisco da pálpebra branca;
- Pele pele-manta; imanta
a culpa; monstra-encrenca;
e afronta; pele, pele branca;
o cancro que minha mente enfrenta;
brinco inca; câmara de tintas;
finca pé ante o nono sono;
campo bento em que Onan brinca;
-Palmo calmo de pele; pele-nunca;
naco branco que toda boca trinca;
lacero-te; mas; não; nem;nunca; nunca
Autor: JOSÉ DE MESQUITA
Biografia (1892-1961)
José Barnabé de Mesquita [(Cuiabá, 10 de março de 1892 — Cuiabá, 22 de junho de 1961) foi um poeta parnasiano, romancista, contista, ensaísta, historiador, jornalista, genealogista e jurista brasileiro, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1913. Exerceu as profissões de professor, magistrado, além de haver exercido cargos políticos nas esferas municipal e estadual.
Obra poética: Terra do Berço, Epopéia mato-grossense, Três poemas da saudade, Escada de Jacó, Roteiro da Felicidade e Poema do Guaporé.
Obras:
CÓPIA OU ORIGINAL
Ter teu retrato assim, corpo inteiro. Querida,
é para mim, a um tempo, alegria e tortura,
— alegria, pois vejo o sol da minha vida,
que, após tão longa ausência, irradia e fulgura;
mas tortura, também, tantálica e doida,
pois que te vendo assim, suave criatura,
— cópia viva do que és, uma rubra ferida
se me abre dentro d´alma, em imensa amargura.
Como quisera ter-te aqui sempre ao meu lado,
dia e noite e poder beijar-te como beijo
tua fotografia, o teu Corpo adorado!
Cansado de sonhar, eu aspiro ao real,
e, no meu louco amor, o eu ora mais desejo
é que me dês, em vez da cópia, o original...
CIVITAS MATER *
"Meu carinho filial e meu sonho de poeta
Vêem-te, ó doce cidade ideal dos meus amores,
Em teu plácido vale, entre colinas, quieta,
Como um Éden terreal de encantos sedutores.
Tuas várzeas gentis estreladas de flores
Sagram-te do sertão a Princesa dileta
E o Sol te elege, quando, em íris multicores
Na esmeralda dos teus palmares se projeta.
Nenhuma outra cidade assim à alma nos fala,
Dos teus muros senis a tradição se exala
E a nossa História inteira em teu brasão reluz.
Ainda hoje em teu ambiente, ó minha urbe querida,
Paira dos teus heróis a sombra estremecida
- Nobre Vila Real do Senhor Bom Jesus"!
* Poema dedicado à cidade de Cuiabá.
Autor: LUCINDA NOGUEIRA PERSONA
Biografia
Paranaense de Arapongas, vive em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Na poesia estreou com Por imenso gosto (Massao Ohno, 1995) — Prêmio Especial do Concurso Cecília Meireles (1997) da União Brasileira de Escritres – UBE. Pela 7Letras, publicou Ser cotidiano em 1998 e Sopa escaldante em 2001 – Prêmio Cecília Meireles (2002) da UBE e Leito Ao Acaso, de 2004. É autora de livros infanto-juvenis, contos e crônicas. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade de Cuiabá
Obras:
AQUELES POMBOS
Mais uma vez escrevo
o que não tem sentido:
interessante foi a atenção
que me prestaram
aqueles pombos em Veneza
desenho animado
em torno de meu corpo
como se fossem pombos mesmo
(e não pombos)
e eu talvez
como se verá sempre
uma existência entregue
a um programa de inércia
mas não como se fosse torre
Aonde quer que eu vá
me levo como sou.
PRATOS DE SOPA
Os pratos de sopa
fumegavam
servidos à família
Uma concha de sopa
em cada prato
regulava nossas vidas
nem antes
nem depois do crepúsculo
Nesse horário
num ligeiro abrir e fechar de porta
ou num pisca de olhos
uma sombra entrava na casa
uma sombra entrava na carne
Complicando um pouco as coisas
escuridão e carne eram uma só coisa
(dormíamos)
O sono igual matérias
que completamente diferem.
AÇÚCAR
Do cristal bom:
até onde se pode falar nisto
eu falo
a presença do açúcar
determina o roteiro exato
os caminhos de ida e volta:
como a ida pode ser alegre
como alegre pode ser a volta.
UM HOMEM TRISTE
Em local desprotegido
caiu a noite.
Nuvens dilaceradas
flutuavam distantes
como lenços perdidos.
Um homem triste
olhando o teto de estrelas
pensou: sou pequeno
terrivelmente pequeno
e mais ainda diminuiu em altura.
Depois, por certo tempo, ele chorou.
Não a quantidade necessária
para cada amargura soterrada
porém o suficiente
para alívio momentâneo.
Quando voltou a olhar o céu
frangalhos de nuvens
estrelas
pensava um pouco melhor:
eu sinto outra coisa maior
maior do que qualquer constelação
o que eu sinto é enorme e se estende
em todas as direções
(mas o que é eu não sei).
(De Sopa Escaldante)
QUARTO 412
As vezes
em outros lugares
não sou a mesma.
Ibis Hotel, quarto 412.
É muito tarde
estou cansada
mas não quero perder os objetos
tal como se apresentam.
Um espelho entorpecido
recolhe as imagens que irão
desaparecer no escuro.
Outras vezes
são os lugares que não querem me perder
Não tenho certeza de nada
quantas pessoas já dormiram neste quarto?
quantas já se amaram nestes lençóis enrugados?
quantas vezes as mesmas palavras foram ditas?
quantas palavras já morreram
entre estas quatro paredes
(revoltas e perigosas)?
(De Sopa Escaldante)
MATO GROSSO EM LABAREDAS
Ontem, no telenotícias do meio-dia,
vi cangurus desnorteados
num incêndio na Austrália.
De imediato, sobre o leito de cozidos
remontaram outras imagens
dos incêndios deflagrados
na paisagem regional.
Vi Mato Grosso em labaredas
as labaredas como cordas estrangulando
gargantas que se uniam
na música da carne em combustão.
Vi emas atônitas
despenhando ao longo das chamas
e serpentes abrasadoras subindo
pela agitada coluna de fogo.
Muito mais tarde (penoso contar)
vi ninhos e lagartos ao rescaldo.
De Leito de Acaso)
COISAS QUE MORTAS PENSAMOS
Episodicamente
a vida aparece.
Isto não quer dizer
que nos intervalos
ela não exista.
O que há de notável
(ou mais do que isto)
é que a vida se manifesta
nas coisas que mortas pensamos:
no seio do amarelo
e algum conflito
no luto das sementes
que retornarão aos ramos.
Não sei quantas vezes ainda
buscarei a realidade
na realidade oferecida
por um mamão cortado ao meio.
O que também não sucede
aos demais transeuntes
quando atravessam cozinhas?
Autor: MARILZA RIBEIRO
Biografia
Marilza Ribeiro Cardoso nasceu em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, Brasil, em 1934. Militante política, poeta, professora de biodança e atriz de teatro.
Obra poética: Meu grito – poemas para um tempo de angústia (1973), Corpo desnudo (1981) e Cantos para a terra do sol (1997), além de uma vasta obra inédita.
Extraído da obra FERREIRA, Sônia. Chuva de poesias, cores e notas no Brasil Central: história através da arte. 2 ed. Goiânia: Ed.da UCG; Ed. Kelps, 2007. 293 p. ISBN 85-7766-103-2
Obras:
SEM TÍTULO
Rio e terra / rio e serra
Rio e barco na avenida dos desterrado
Homem e rio / sentindo o gosto da hora-fruta
Do sonho e da luta
Rio que brota do peito do homem
O rio e grito
A canoa que parte levando o sonho do homem
O sonho e o grito
Mulher e filho na margem do rio
A mulher e o grito
Força que embala o tempo e o rio
O tempo e o ritmo
Pés descalços que dançam a batida do tabaque
A dança da vida
A cantoria que evoca na noite a força do rio
A dor e o grito
No gesto do homem e a correnteza do rio
A mulher e o rio
Saia que roda na festa do santo
A roda e o giro
Flor no cabelo e no rosto a risada
Ramo de goiabeira na água do rio
Sarã que recolhe a ramagem vadia
O grito do sol na risada do rio
A dança das folhas e as comadres de rio
A roupa lavada no colo do rio
O peixe apanhado pelo homem-menino
Canoeiro que traça o caminho do rio
Pescador que apanha o segredo do estio
O menino que sonha com jurema do rio
A mão do pescador que toca a viola
A dança dos homens e mulheres do rio
A lua que enlaça o silêncio do rio...
O rio é o rio...
Autor: PAULO FERRAZ
Biografia
Paulo Ferraz (Rondonópolis, 1974) é um poeta brasileiro. Viveu em Cuiabá até 1995, quando se transferiu para São Paulo, onde se graduou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sendo um dos editores das revistas O Onze de Agosto e FNX. Concluiu mestrado em Teoria Literária na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Em 1999 publicou seu primeiro livro de poemas, 'Constatação do óbvio, pelo Selo Sebastião Grifo, fundado por ele, Matias Mariani e Pedro Abramovay. Com ambos editou ainda a revista Sebastião (o primeiro número em 2001 e o segundo em 2002), com a qual colaboraram Armando Freitas Filho, Paulo Henriques Britto, Nelson Ascher, Régis Bonvicino, Frederico Barbosa, Donizete Galvão, Fabio Weintraub, entre outros. Em 2007, lançou dois novos livros De novo nada (poema de quase 600 versos) e Evidências pedestres, também pelo Selo Sebastião Grifo.
Obras:
FÁBULA
Farinha e água condicionam
a insignificância sobre a
língua, porque é o corpo que no
corpo reafirma o desejo
de sobreviver à morte
da matéria. Na hóstia habita o
cristo por alguns minutos,
da boca úmida não desce
para o estômago, caminho
natural do que nos entra,
não se sabe como, sobe
para um canto da cabeça.
Fora do adro o mundo cresce
nos olhos e não demora
começa a ocupar o espaço
da idéia de redenção. Cristo
tenta continuar presente,
mas é um tanto tarde, o corpo
não é só cabeça, restando ao
cordeiro, por estratégia,
se pregar na cruz mais próxima.
A PARTIR DA TOPOGRAFIA
Aprende-se muito
com a ausência. Cito a arte
da cartografia, do
paciente desenho
feito olhos a dentro
sem régua ou compasso,
com o qual catalogo, a
posteriori, pintas,
sinais de nascença, e as
(não sem ser expert no
teodolito) marcas
de uma catapora.
A POÉTICA VISTA NUM ARMÁRIO
Suspenso por esses
ombros finos – qual fumaça
condensada em pano
não pela ação de intempéries,
mas pelo domínio
das mãos sobre o bruto – quanto
guarda de um conteúdo
já tido? Seu corte fôrma
não é para o aparente ]
vazio. Se me entrego às curvas
e drapeados, deixo
me envolver na trama e ali me
posto. Logo noto o
dom que o fez, paciente e certo,
por metros em que eu, que
nada sei de seus motivos,
constato em qual corpo
cairia – de pronto me espanto,
pois se forma dentro
de mim – mesmo sendo roupa – a
sensação do toque.
DE UMA CRÍTICA PUBLICADA NUM SUPLEMENTO CULTURAL DE DOMINGO
(fragmento)
II (o artista: depoimento)
Estudei dos 20 aos 30
na Europa, tempo de intenso a
prendizado, mas só conto os
dois anos depois da volta, es-
senciais para a concreção do
meu estilo, pois passei longos
meses nas ruas favelas,
freqüentei cortiço, abrigo e
bueiro, conheço essa gente
pelos nomes, inclusive
seus cachorros, cheguei mesmo a
me sentir igual eles.
Autor: RONALDO DE CASTRO
De
CUIANANÁLIA
Cuiabá: Fundação Cultural, 1989
Biografia
Nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1941, mês de março, 17. Filho do consagrado poeta Rubens Mendes de Castro e da abnegada professora Antonia de Arruda Castro ( professora Teté). Autor de várias obras inéditas.
Obras:
A ÁGUA
A água corre
a distância cilíndrica
e num jato frio morre
na boca nívea da pia
A esponja mineral
do canteiro chupa a água
O esgoto é sepultura
das águas desta cidade
que lavam ruas e sexos
e a sede matam também
Pluvial ou água clorada
a água líquida informe
são as formas diluídas
de sorrisos naufragados
Quando o gelo é água dura
engarrafada é pileque
no rio é casa de peixe
no céu é nuvem eqüestre
no mar pode ser salitre
Água água sempre água
deslizante fugidia
água benta batizando
água suja intoxicando
água quente e água fria
Já que a seca é falta d´água
matando plantas e bichos
a humanidade é pau-d´água
Água água sempre água
A ÉGUA
A égua corre
come a pista
engole o pasto
bebe a água
Quando ela come
o espaço vasto
os seus humores
molham o pasto
A água forte
patas aéreas
carreiras corre
correndo ganha
Porém se topa
no prado o macho
relincha fêmea
só vê o sexo
Seu vôo pára
a fúria abranda
correr não corre
não come a pista
(Domesticou-se
no prado a água:
só bebe água
e engole pasto)
SINTAXE
Palavras militarizadas
vigiadas pelo batalhão de guardas diacríticos
? , ´ — ^ : . — ; !
Palavras palavras palavras palavras
Militar—izadas
Palavras algemadas virguladas
Proibidas de viver por si mesmas
Perfiladas em posição de sentido
Esquerda volver direita volver
Palavras mar-chadeiras marcha-deiras
palavras de co-turno
letras feitas de –––––––––––––– silêncio
palavras insonoras
m i l i t a r i z a d a s
Palavras sem vôo próprio
amarradas ao chão de outras palavras
grávidas de –––––––––––––––– silêncio
sôfregas de liberdade
filhas da ordem-do-dia
palavras palavras palavras
um — dois um — dois um — dois
Palavras em—fileira—das
bem alinhadas e tristes
a que faltam alvoradas
palavras encabrestadas
algemadas virguladas
m i l i t a r i z a d a s
p a l a v r a s
Os homens são palavras marcha-deiras
m i l i t a r i z a d a s
na sintaxe social
Autor: SILVA FREIRE
(1928-1991)
Biografia
Benedito Sant'Ana da Silva Freire nasceu em Mimoso, Distrito localizado no Município de Santo Antônio do Leverger - MT, em 20 de setembro de 1928, e faleceu em Cuiabá MT, em 11 de agosto de 1991.
Conterrâneo do Marechal Cândido Rondon, Silva Freire, foi poeta, advogado, professor na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, e ocupou a cadeira nº 38 da Academia Mato-grossense de Letras - AML.
Recebeu diversas homenagens, entre elas, a homenagem do Univag Centro Universitário de Várzea Grande MT, que deu o nome deste intelectual à sua biblioteca.
Obras principais: Meu Chão; Pássaro Implume; As Redes; Os Meninos de São Benedito; Águas de Visitação; Trilogia Cuiabana, publicada em 1991.
CERRADO / RAÍZES
(Fragmento)*
—cerrado
arbusto miúdo
o ar no alto do
busto recurvo um grito no
susto da planta dos pés
o ritmo da floração
no coração ancestral
— cerrado
experiência de estar no perto
/ na caixa do peito
na folha do livro
— cerrado
tecido telúrico/
processo/
ngresso na história
e/ou
regresso atávico
no trançado que amassa
a raça
que adelgaça
— nos calombos do cerrado
tempo-tropelro ...
curva-cuia (bania)
b-oiando
no liso-a-liso
do
berro
que
afoga
na linha reta do pantanal.. .
• FRElRE, Silva, Aguas de Visitação, Cuiabá / MT - Adu/mat, 1999
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Extraído de
ALVES, Henrique L., org. Poetas contemporâneos. Capa de Alfredo Volpi. São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1985.
- a canoa coisifica a respiração da madeira
(alimento do aviso)
- o canto
(beira-chão-barranco)
responde no toque-atabaque
traço-truque-do leque
membrana d’água
- a canoa circunscreve a escrita
que irrita
tato-peixe
- da colher do remo
pinga o desenvolvimento
do curso inventado
- a canoa trabalha a função do reflexo
canoa remo
remoer do homem
canoeiro
canoeirar o rio-equilíbrio
- o sulco ferido
(feriado)
gruda
a negritude do aquaremo
- balanço que bate embalo
pla
plaque
pla
sono-módulo prisão-no-porto
ou morto
- a canoa concebe
boca que inventa o vento
tempo que a fome urra
riso que o peixe isca
abrangência de mormaço
- a canoa incorpora
intuir a chuva
carne-viva vida-nova
viva-vida
pose do embarque
tensão do emborcado
iodo do Iodo
Iobo
- o remeiro imanta o pranto
no canto
que canta
a queda do peixe
limpo limbo
lama limo
lima-que-lima
a invenção da canoa
- a canoa insere no assento
o nojo do rio
- a canoa investe o lucro
na transparência da sombra
interior do sem-medo
eventual da paisagem
no corte que a linha quebra
- a canoa enfeita
hirto olho vela velório
boi-afôgo
boiaafogando barriga d’água
- a canoa escritura
a faca da curva
leva-e-lufada
remoinho que o rio incesta
- a canoa desperta
esmalte da escama
fundição da faca
dependência do anzol
o peso que a poita aponta
- noturno
a canoa soletra
o enredo da pesca
De
Silva Freire
Águas de Visitação
Cuiabá: Edições do Meio, 1979. s. p.
Col. Poetas de Mato Grosso, série Vanguarda, I)
[Diagramação: Wlademir Dias-Pino]
garimpo da infinitude
(fragmento)
— o garimpo
vaza
eco da sorte
no pilão da bateia
— o garimpo é hermético
estranhamente aberto
ao receber o rito
hirto
mito
e o místico
— o garipmeiro
crava
na lavra
pálpebra / forma
que arredonda o chibiu
— o garimpo codifica o sonho
minerador
— o garimpo decodifica a
leitura da mancha
— outros amigos:
o pai
irmão
o esmo
o meio
o meia - praça
o garimpo talha
moe
romoe
moenda
remorrendo
na brita do sol
no brilho da vida
no budum do lençol